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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Luiz Coronel


O LEÃO BAIO
Texto de Luiz Coronel

Para uns, pavio curto.
Faca na bota, melhor definiria Don Cezimbra. Era homem de pausadas prosas, roncantes mates e seqüentes tragos. homem só, com sua valentia incontestada. Tinha aquele jeito de quem está sempre pressentindo o perigo.     
Um dia como qualquer outro dia, Don Cezimbra voltava pela estrada vicinal na direção das Palmas quando se deram os fatos narrados nos pormenores.
O sol já se espreguiçava, cansado de vagabundear pela relva, quando o campeiro passou pela fazenda do Severino Collares.
"Os moirões perfilavam-se campo afora e eram como gente parada, quieta, escutando o silêncio grande da solidão."
A montaria era do mais alto gabarito e intimidade, uma malacara(1) que já conhecia o rumo das casas por conta própria.
Cavalheiro criado no lombo dos cavalos, iam a trote, animal e homem, uma coisa só. Não havia aquele saracoteado dos artistas de novela. A viagem ia tranqüila, uma purinha(2) no bolso e rédeas nas mãos.
Mas de repente, o malacara se empina e relincha com denúncias de estripulia. Faiscando nas moitas os olhos do leão baio. Um arrepio subiu das pernas ao espinhaço do guerreiro.
- Se disparo, o bicho janta a anca da montaria e come a minha perna de sobremesa, pensou o taura.(3) Então era enfrentar o bicho. Com movimentos calmos, olhos nos olhos, Don Cezimbra levou à mão a cintura em busca do boca de fogo. E nada do trintoitão.
Quem sabe a faca de cabo de prata? na gauiaca(4) só encontrou a virilheira de picar fumo. O combatente desceu do cavalo, atou as rédeas num galho de uma corunilha, chuleando o famigerado, e ficaram os dois, frente a frente, como bandido e mocinho nos velhos faroestes, foi quando Don Cezimbra olhou para o céu e deu o "brado retumbante":
- Deus, se tu estás com o leão, faça com que ele devore primeiro a minha cabeça. Não quero assistir a essa comilança. Se estás comigo, que eu acerte essa lâmina no sangradouro do bicho-fera. Agora, se não estás com nenhum dos dois, senta naquela pedrinha ali e te prepara para assistir a uma das peleias mais tinhosas que já aconteceram por estes matos.

(1) malacara- cavalo com uma mancha branca na cara
(2) purinha - cachaça sem adereços ou mistura.
(3) taura - gaúcho valente, arrojado
(4) guaiaca - pequena bolsa que adere ao cinturão

O CAVALO VERDE
Texto de Luiz Coronel 
Joveniano Centeno era flaco(1) de corpo e largo de alardes.
Num cair de tarde de quase janeiro, apeou na venda do Noquinha e foi molhar a palavra, como era de costume. Pé no cepo, cotovelo na mesa, por lá foi se ficando numa mais outra.
Quando o lusco-fusco já aquietava os cuscos(2), colocou a bota fora do portal e se deparou com o seu cavalo tordilho, pintado de verde. Respirou fundo e entrou na venda, se plantando embaixo do lampião com pose de quero-quero.
- Se tem mãe de respeito, quem fez o desaforo que se apresente - gritou Jovenciano. 
Lá do fundo da venda, caminhando devagar como quem trafega atoleiro, vem vindo o Salustiano, um aspa-torta(3) com dois metros de altura e "uma feiúra de partir espelho". Vinha limpando as unhas com uma carneadeira luminosa. 
- Pois o matungo na cor dos campos te serve melhor de montaria, seu maturango(4) - falou e disse o desabusado. 
"Bêbado de susto" e atropelo, Joveniano teve apenas tempo de aliviar os acontecidos. 
- Epa, epa - retrucou. - Eu só vim avisar que a primeira demão, tá seca! 

(1) flaco - fraco
(2) cuscos - vira-latas
(3) aspa-torta - individuo turbulento, desordeiro 
(4) maturango - que monta ma 

O TOURO DO VÔ VIEIRA
Texto de Luiz Coronel
Segundo diziam, da boca pra fora, as crias do touro do Vô Vieira formavam um rebanho de largo porte. Pois não é que na vizinhança, pra ser mais preciso, na fazenda dos Pereira tavam precisando botar as vacas em cria. Andavam tudo de ventre murcho, mugindo solidão e desamparo.
Foi quando, sabedor nas carências da vizinhança, Vô Vieira ofereceu seu touro em serventia. O touro tava lá pateando chão, rebentando aramado.
Dia e hora em bom acerto, lá se foi o touro do Vô Vieira cumprir os encargos de multiplicação.
Mas, nada como um dia em cima do outro. Entre o que se pensa e o que se espera, um touro se aquieta e uma casa vira tapera.
De manhã se ouviu aquele mugido que vinha das bandas do açude. Era o touro do Vô Vieira enfiado n'água até o pescoço, só a cabeça de fora, e as vacas ladeando o açude, formando um colar de guampas, mugindo em coro contra o assustado touro do Vô Vieira.
Era pouca bala para uma trincheira tão bem arregimentada.
É por isso que o povo diz: " Touro em campo alheio é vaca". 

O HOMEM QUE APOSTAVA
Texto de Luiz Coronel
Que era homem educado, lá isso era. Também cria dos Tavares, só podia sair de tratos maneirosos. Acontece, porém, que, aos verdes campos, preferiu as verdes mesas de carteados. Outro vício não tinha, afora apostar até a mãe, se apostador houvesse.
-Aposto que o Dr. Naziazeno vai discursar no enterro.
- Aposto que o Dr. Fico ganha essa eleição.
Tudo era aposta. 
A noite já era crescida em horas e o Tavares aquecia o banco num joguinho sofrido, nos altos do Comercial, quando o Dr. Marcírio testaviou na mesa. Caiu duro e fulminado, e que Deus o tenha em sua glória. 
Quem de nós leva a noticia lastimosa para Dona Cristina Magalhães, esposa do parceiro ora falecido? Outra não foi a sábia escolha. O Tavares.
Lá se foi ele circunspecto pela madrugada fria.
A mãozinha de ferro da porta começou delicada para retumbante, até que se abriu a porta com a senhora maldesperta, arrumando o cabelo sob o lenço de seda.
- Boa noite ou bom dia senhora. Desculpe o adiantado da hora. Sou o Belico Tavares e, por certo, a senhora deve ser a viúva do Dr. Marcírio Magalhães, não? Aflita, a senhora contestou pela metade a madrugadeira pergunta:
- Sou Cristina Magalhães, viúva não!
- Quer apostar? 

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