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sábado, 21 de abril de 2012

cronica - Diário de bordo 1500


Capítulo I - Os Preparativos
Iniciamos hoje uma série especial sobre a mais nova aventura de nosso amado rei, D. Manoel, após a fracassada aventura do navegador Vasco da Gama que, em julho do ano passado retornou a Portugal. O único saldo positivo de seu desastre diplomático nas Índias foi o fato de ter descoberto que estas poderiam ser alcançadas através do mar Tenebroso. Em vista disso, o nosso rei mandou preparar nova expedição para as Índias. Segundo nossos repórteres, esta nova expedição partirá do Tejo com 13 embarcações abarrotadas de tesouros para estabelecer o entreposto, e canhões, pólvora e armamentos no caso de os argumentos comerciais não serem suficientes. Segundo pudemos levantar, este intercâmbio se dará nos portos de Cacecute, Cananor e Sofola. A tripulação é composta de aproximadamente mil e quinhentos homens, entre marujos, soldados, degredados, astrônomos, grumetes, capitães de sangue nobre, pilotos e escrivães. Uma fonte confidenciou aos nossos repórteres que a maior parte da tripulação é composta de jovens de quinze ou dezesseis anos de idade. Denúncias repassadas por nossos correspondentes no interior do país informam que grande parte dos tripulantes foi recrutada forçadamente em nossas aldeias, e que não possuem nenhuma experiência em navegação. Fontes oficiais negaram a informação com veemência, mas não apresentaram provas em contrário.

Nossa cobertura contará com correspondentes em todos locais por onde a expedição passar, além de reportagens especiais com representantes do governo e das universidades, debates com especialistas das mais diferentes áreas, e comentários de nossos convidados especiais. Também estaremos apresentando o perfil dos principais envolvidos na expedição. E, para não perdermos um detalhe desta aventura, estaremos recebendo mensagens de nosso enviado especial, que estará transmitindo diretamente de uma das caravelas, com as notícias em primeira mão. Prosseguimos com nossa programação, e retornaremos a qualquer momento com novas informações.

−Voltamos a falar do que está sendo chamado de “A Conquista das Índias”. Estamos com um convidado para comentar os últimos acontecimentos.
“Boa tarde. Inicialmente gostaria de colocar alguns questionamentos que estão afligindo nosso povo. É realmente necessária esta viagem? Qual é o custo desta aventura? Quem vai pagar por estes descalabros? O que há de tão importante nesta expedição para justificar este aparato? As outras empreitadas costumam utilizar três embarcações e aproximadamente cento e cinqüenta homens. O que motivou nossos governantes a um investimento tão grande? As respostas, vamos procurá-las onde estiverem. Obrigado.

−Denúncia! Recebemos informação de fonte confiável do palácio que está sendo escolhido para comandar esta grandiosa expedição um beócio, que nunca até o momento colocou os pés no casco de uma embarcação. Se tal disparate realmente acontecer, estamos diante de um escândalo sem precedentes. De qualquer forma, as reuniões do alto escalão ocorrem diariamente, estabelecendo as estratégias e logística da viagem. Com a participação de Vasco da Gama e outros navegadores experientes, a equipe está definindo a rota, a quantidade de provisões, o tempo de duração da expedição, as paradas e, principalmente, os códigos de comunicação. Em um esforço de nossa reportagem, estamos adiantando em primeira mão que os canhões serão utilizados para as mudanças de curso e velocidade, disparando duas salvas de balas, e aguardando resposta das outras embarcações.

−Aproxima-se a data de partida. Podemos adiantar que será no início do mês de março do corrente ano. A viajem será precedida por uma missa no Mosteiro de Belém, presidida pelo Bispo de Ceuta, Dom Diogo de Ortiz e a qual comparecerá o rei e toda a Corte quando, segundo o protocolo oficial, será entregue ao comandante uma bandeira benzida com as armas do Reino. Os preparativos finais estão sendo ultimados, e em visita ao local onde as embarcações aguardam a partida, constatamos que a frota é composta por dez naus e três caravelas, dando-se como certa a participação de alguns dos mais experientes capitães e navegadores, como Bartolomeu Dias, Afonso Lopes, Sancho de Tovar, Simão de Miranda e Nicolau Coelho, entre outros.

−Confirmada a nossa denúncia. O comandante da expedição será o alcaide-mor de Belmonte Pedro Álvares Cabral. Segundo alguns descontentes navegadores, a escolha do sisudo chefe militar como capitão-mor da esquadra estaria relacionada com o casamento deste com Dona Isabel de Castro, uma das mulheres mais ricas de nosso país. Pedro Álvares Cabral, nascido na Beira Alta, em 1467 ou 1468, terceiro filho de Fernão Cabral, governador da Beira e alcaide-mor de Belmonte, e de Isabel de Gouveia de Queirós. Inicialmente, chamado de Pedro Álvares de Gouveia, com a morte do irmão primogênito passou a usar o Cabral. Mudou-se para o Seixal, e em Lisboa estudou Literatura, História, Ciência, e artes militares. Ao entrar na Corte de D. João II como moço fidalgo, aperfeiçoou-se em Cosmografia e Marinharia. Com a ascensão de D. Manoel I, foi promovido a fidalgo do Conselho do rei, recebendo o hábito de cavaleiro da ordem de Cristo, com direito a pensão anual em dinheiro.

Estamos aqui entrevistando um especialista em náutica da universidade de Lisboa. − Professor, o que o Sr. acha desta nova aventura do nosso rei?
− Bem, inicialmente gostaria de agradecer o convite. Historicamente, até o século XV, a nossa marinha praticava uma navegação de cabotagem e de pesca, utilizando barcas, pequenos navios de madeira, com uma só coberta e um só mastro, podendo ou não levar cesto de gávea. A vela era quadrada e se abria suspensa em uma verga colocada sobre o mastro. Quando enfunava com o vento, ficava arredondada como um balão, sendo utilizada para pequenas viagens. Além da barca, utilizou-se muito o barinel, e ambos eram embarcações pequenas e frágeis, que não suportavam as dificuldades como baixios, ventos fortes e correntes marítimas desfavoráveis que ocorriam no avanço para o sul. Com a evolução técnica e graças as muitas viagens de exploração da costa atlântica africana, desenvolveu-se uma embarcação de fácil navegação e melhor capacidade de bordejar, a caravela. Construída em carvalho, de porte médio e velas triangulares, com três mastros, um único convés e ponte sobrelevada na popa, deslocando 50 toneladas, com no máximo 30 metros de altura e largura, com tripulação mínima de 40 homens e 4 tripulantes, podendo ser movida a remo, em caso de necessidade. Com ventos mais calmos tornava-se lenta, e com a necessidade de tripulações maiores, mais capacidade de carga e armamentos, tornou-se necessário substituí-la por navios mais potentes, as naus. Barco de grande porte destinado a longos percursos, com capacidade de até 200 toneladas, com castelos de proa e popa, dois, três ou quatro mastros, com duas ou três ordens de velas sobrepostas, imponentes e de armação arredondada, Possuem velas latinas no mastro da ré e, em geral, duas cobertas. As naus são classificadas conforme o poder de artilharia: quando possuem de 100 a 120 bocas de fogo chamam-se de naus de três pontas, e naus de duas pontas e meia quando são 80 as bocas de fogo.

−Obrigado, professor pela elucidativa dissertação sobre a evolução náutica da nação portuguesa. E a respeito dos instrumentos de navegação, o que o Senhor teria a nos contar?

−Como outros europeus, os nossos instrumentos básicos de navegação astronômica são os árabes, como o astrolábio e o quadrante, que seria um quarto de astrolábio munido de um fio de prumo, além da balestilha, invenção lusa, que obtém no mar a altura do sol e de outros astros. As tábuas astronômicas, tabelas que indicam a inclinação do Sol, e outras tabelas que contem correções ao cálculo da latitude através da Estrela Polar. Aproveitando os conhecimentos acumulados pelos “Libros Del Saber de Astronomia”, do Regimento do Sol, a experiência dos pilotos, o inovador Regimento da estrela do Norte desenvolveu e sedimentou a ciência náutica portuguesa, e deu origem ao “Regimento das Léguas”, que permite calcular a quantidade de léguas navegadas entre dois paralelos, além da contribuição oferecida pelos catálogos das declinações de estrelas e outras normas praticas.

−Muito obrigado, professor, pela aula de ciência náutica. Até uma próxima oportunidade.

−Para assinalar as reportagens especiais do nosso enviado especial a bordo da expedição criamos uma característica especial, que será apresentada agora, junto com o relato da partida das embarcações no dia de hoje.

“O mar – a fronteira final. Estas são as viagens da nau marítima ‘NINAPINTASANTAMARIA’ em sua missão de cinco anos de explorar novos mundos, novas civilizações, corajosamente indo onde o homem jamais esteve”.

CAPÍTULO 2 - A VIAGEM
Diário de bordo data estelar nove de março de mil e quinhentos. Zarpamos do Restelo, fortificação de pedra junto à praia de Belém, de influencias islâmicas e orientais, composta de uma torre quadrangular e um baluarte poligonal com dezesseis canhoneiras para tiro rasante de artilharia, e uma segunda linha de tiro no terrapleno da Praça de armas, em uma segunda-feira. À nossa frente, dez naus e, seguindo a nossa caravela, mais duas, totalizando treze embarcações.

Olhando para o porto, recordo-me das despedidas ao longo do Tejo, com o baluarte de Cascais à direita, ainda em obras, e na esquerda, o da Caparica, na foz mais estreita do rio. No comando da frota um fidalgo, Pedro Álvares Cabral, alcaide-mor de Belmonte, que do alto dos seus 1,90 m e espessa barba sobressaia-se junto aos seus quase mil e quinhentos comandados. Entre marujos, soldados, degredados, astrônomos, grumetes, capitães de sangue nobre, pilotos e escrivães como eu, a maior parte com idade entre 15 ou 16 anos de idade, sem experiência, partia a maior expedição jamais enviada. Segundo nossos cozinheiros, levávamos provisões para uma viagem de aproximadamente dezoito meses. A nossa tríplice missão (comercial, diplomática e militar), procuraria estabelecer um entreposto comercial com os portos índicos de Calecute, Cananor e Sofala, Partimos com os porões abarrotados de tesouros para efetuar o intercambio, e canhões, pólvora e armamentos se os argumentos falhassem.

−Recebemos mensagem de nosso correspondente nas Ilhas Canárias, descrevendo a passagem da expedição pelas ilhas.

“Estamos escrevendo diretamente das Ilhas Canárias, cuja conquista iniciou-se em 1402 com a expedição dos Normandos Jean de Bethencourt e Gadifer de la Salle, a mando dos reis de Castela e com apoio da Santa Sé, somente concluída em 1496 com a rendição dos Guanches em Tenerife. Observamos a passagem da expedição no sábado. Maiores informações com o nosso enviado especial”.

“Seguimos a costa africana. No sábado, data estelar de quatorze de março de mil e quinhentos havíamos ultrapassado as ilhas Canárias, colonizadas e conquistadas em definitivo em 1496. Pero Vaz de Caminha escreveu: Entre as oito e nove horas, nos achávamos perto a Grã-Canária, onde andamos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três ou quatro léguas”.

−Interrompemos a descrição de viagem de nossos correspondentes para apresentarmos o perfil de Pero Vaz de Caminha.

Escritor português, filho de Vasco Fernandes de Caminha, cavaleiro do duque de Bragança, nascido em Porto, foi cavaleiro das casas de D. Afonso V, D, João II e de D. Manoel I. Herdou do pai o cargo de Mestre da Balança da Moeda, e em 1497 foi escolhido para redigir, na qualidade de vereador, os Capítulos da câmara Municipal do Porto. Foi nomeado escrivão da feitoria a ser erguida em Calecute, na Índia, motivo pelo qual se encontra na nau capitania da armada de Pedro Álvares Cabral.

“O mar – a fronteira final. Estas são as viagens das naus marítimas ‘NINAPINTASANTAMARIA’ em sua missão de cinco anos de explorar novos mundos, novas civilizações, corajosamente indo onde o homem jamais esteve”. Seguimos a costa africana, e na altura de Guiné, desvia-se a rota, navegando ao sabor dos ventos alísios em direção ao ocidente, com o propósito aparente de procurar melhores condições de vento.

Em dado momento, pode-se observar que havíamos nos desviado da rota originalmente prevista. Consultando os astrônomos, estes informaram que o propósito aparente seria procurar melhores condições de vento, pois aproximava-se um período de calmarias. Uma fonte do alto escalão segredou-me que tratava-se de uma missão secreta para explorar as terras desconhecidas no lado português do Tratado de Tordesilhas. Enfrentando tempestades, noites negras, o tédio da viagem, os períodos de calmaria e outros episódios dramáticos inclusive a perda de um dos navios, ocorrida na data estelar de vinte e três de março de mil e quinhentos, segunda à noite, um dia após nossa passagem pelas ilhas de Cabo Verde, mais precisamente a ilha de São Nicolau, segundo Pero Escobar, piloto...”.

−Informamos em edição extraordinária a primeira tragédia ocorrida em alto-mar. Segundo pudemos levantar, o navio comandado pelo marinheiro Vasco de Ataíde desapareceu sem motivo aparente, apesar dos esforços do capitão em encontra-los. Não foi possível descobrir o número de baixas e se houve algum sobrevivente. Vasco de Ataíde, ou Taide foi um marinheiro português. Pouco se sabe sobre ele. Retornamos ao relato de nosso correspondente: “Segundo palavras de Caminha:” Na noite seguinte segunda-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com sua nau, sem haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o capitão suas diligências para o achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais".

−Retomando a ordem cronológica dos fatos, interrompida pela trágica informação do desaparecimento de um navio, retornamos as ilhas de Cabo Verde, com nosso correspondente.

−Arquipélago localizado ao largo da costa da África, composto de dez ilhas vulcânicas pequenas e montanhosas, foi descoberto em 1460 por Diogo Gomes a serviço da coroa portuguesa, sendo colonizado por escravos da costa africana para cultivar algodão, árvores frutíferas e cana-de-açúcar. Observamos a passagem da expedição no dia 22 junto à ilha de São Nicolau.
CAPÍTULO FINAL - O RETORNO
“O mar – a fronteira final. Estas são as viagens da nau marítima ‘NINAPINTASANTAMARIA’ em sua missão de cinco anos de explorar novos mundos, novas civilizações, corajosamente indo onde o homem jamais esteve.

Anteriormente, no sábado, data estelar de quatorze de março de mil e quinhentos havíamos ultrapassado as ilhas Canárias, colonizadas e conquistadas em definitivo em 1496”. Entre as oito e nove horas, nos achávamos perto a Grã-Canária, onde andamos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três ou quatro léguas”, ditou Pero Vaz. Na data estelar de vinte e um de abril de mil e quinhentos, terça-feira das Oitavas de Páscoa, estando da ilha aproximadamente 670 léguas, segundo os pilotos, avistou-se muita quantidade de ervas compridas, chamadas pelos marujos de Botelho, assim como outras chamadas de rabo-de-asno e posteriormente, na quarta-feira seguinte, pela manhã, avistamos aves marítimas chamadas de furabuchos. e, a partir da nau capitânea e no amanhecer da data estelar de vinte e dois de abril de mil e quinhentos, segundo assentamento do astrônomo, um pouco ao sul de terras descobertas por Cristóvão Colombo em 1942 e provavelmente aquém da Linha de Tordesilhas, avistou-se sinais de terra, um “monte, mui alto e redondo”, com aproximadamente quinhentos e poucos metros acima da linha do horizonte, justamente na época de Páscoa, uma ilha. “Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra!

A saber, primeiramente, de um grande monte, muito alto e redondo, e de outras serras mais baixas ao sul dele, e de terra chã, com grandes arvoredos, , ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Ilha de Vera Cruz!”escreveria o porta-voz oficial, Pero Vaz de Caminha. Os cartógrafos com as limitações da época diriam que tratava-se de uma grande ilha no caminho para as ilhas Molucas, na Oceania, no futuro um dos marcos demarcatórios do tratado de Tordesilhas, e para as Índias orientais.

Na quinta-feira, o comandante mandou lançar o prumo. “Mediram vinte e cinco braças: e ao sol posto, obra de seis léguas da terra, surgimos ancoras, em dezenove braças, - ancoragem limpa,”- escreveu Pero Vaz. Permanecemos ancorados toda noite. Na manhã seguinte, fizemos vela e seguiram os navios pequenos à frente, à direita da costa, até meia légua da terra, onde lançamos ancoras junto a um rio, aproximadamente às dez horas.

Pela primeira vez avistamos nativos, sete ou oito. Reunidos todos os capitães das naus com o capitão-mor, decidiram enviar Nicolau Coelho para verificar o rio. Aproveitando os Ventos Alísios, úmidos e que ocorrem durante todo o ano nas regiões tropicais, e provocam chuvas e calmarias influenciando o clima das regiões costeiras e de baixa latitude, a esquadra bordejou a costa em direção ao norte, buscando uma enseada, encontrando um recife com um porto, muito bom e seguro, com uma larga entrada, pouco antes do pôr-do-sol do dia 24 de abril, cujo nome prestou homenagem ao destemido descobridor, Baía Cabrália. Afonso Lopes, nosso piloto, em um navio pequeno aportou à costa em um esquife, levando, à noite, dois nativos ao capitão em sua nau, recebidos na nau de Cabral pelo Capitão da armada Sancho de Tovar, nobre português de ascendência castelhana, o Capitão Simão de Miranda, de família enobrecida, Nicolau Coelho, navegador, Aires Correia, feitor geral da armada e por Pero Vaz.

Dia vinte e cinco, sábado, o Capitão ordenou a entrada de todas as naus na Baía. Nicolau Coelho, Bartolomeu Dias e um mancebo degredado de nome Afonso Ribeiro para ficar com os nativos. Assim que chegamos a praia encontramos 200 homens. A 26 de abril, domingo de Pascoela, pela manhã, Frei Henrique Soares auxiliado pelos outros padres e sacerdotes rezou uma missa de ação de graças, numa pequena ilha, por eles chamada Coroa Vermelha, e o capitão ostentando a bandeira de Cristo, com que saiu de Belém.

Após a missa, o padre fez uma solene pregação da história do Evangelho, e ao fim tratou de nossa vinda e achamento desta terra. Em vinte e sete de abril, mestre João, médico, astrônomo, astrólogo e físico espanhol desceu à terra firme, onde fez observações astronômicas, identificando pela primeira vez a constelação do Cruzeiro do sul, e sugerindo ao rei de Portugal em carta a ser enviada no dia vinte e oito que localizasse nos mapas a constelação, e dessa forma faria crer a todos que os portugueses já conheciam o território. Diogo Dias e o degredado Afonso Ribeiro que ficaram dois dias em terra com os nativos retornaram na noite de quarta-feira, vinte e nove de abril. Transferiram-se então para o continente, onde asseguraram a posse da terra com outra missa, rezada com a presença dos índios ali encontrados, a 1° de maio, sexta-feira.

Aproxima-se a hora da partida, e em conversa com meu mentor, Pero Vaz de Caminha, decidimos que devo permanecer na ilha para elaborar um levantamento das tribos indígenas, suas características e peculiaridades, relatando em diários minhas andanças pela ilha. Portanto, encerramos daqui nossas transmissões, agradecendo pela atenção dispensada. Como última informação digo que tendo dado por concluída a sua missão ali, Cabral partirá no dia seguinte para a Índia, mandando ao mesmo tempo uma caravela comandada por Gaspar de Lemos com notícias da descoberta para o rei de Portugal. Será uma carta, escrita por Pêro Vaz de Caminha. Ao deixarem o local em direção à Índia, Cabral, na incerteza se a terra descoberta trata-se de um continente ou de uma grande ilha, alterou o nome para ilha de Vera Cruz. Ficam comigo, dois degredados e dois grumetes que desertaram.

−Agradecemos imensamente a participação de nosso correspondente a bordo da expedição, e desejamos toda a sorte para ele nessa nova aventura. Vamos ter que fazer uma modificação em nossa programação inicial, interrompendo a transmissão de bordo. Retomaremos o contato com nosso correspondente nas Índias, que lá se encontra para relatar a última fase da viagem.
−Para finalizarmos esta etapa de nossa cobertura, vamos propor uma mesa redonda com uma equipe de especialistas de diferentes áreas sobre a descoberta dessa terra nova. Aproveitamos para sugerir que nossos leitores manifestem-se a respeito do novo nome desta terra descoberta por nossos desbravadores. Faremos uma votação com nossos assistentes, leitores e ouvintes para escolha em voto direto pela população do nome desta nova possessão de Portugal.
−Bem senhores, podemos começar este debate. Quais seriam as conseqüências desta descoberta? Elas teriam o significado esperado pelos nossos governantes?

−Inicialmente, agradeço pelo convite. Acredito que, politicamente, esta conquista é de suma importância para o desenvolvimento de nossas fronteiras. É muito importante, após a assinatura do Tratado de Tordesilhas, geopoliticamente, instalar um posto avançado no caminho das Índias, considerando além da presença de espanhóis, também a presença de mouros sem falar no aspecto econômico, com a possibilidade de desenvolver a agricultura, utilização como entreposto comercial, colonização, exploração das riquezas naturais, escambo, Outro aspecto a considerar é a expressão “Descobrimento”, pois se confirmada a presença de nativos no local, seriam estes povos indígenas os verdadeiros descobridores, e os portugueses seriam os conquistadores da terra.

−Gostaria de continuar neste assunto, falando um pouco do que se convencionou chamar de “Período das grandes navegações”. Portugueses e espanhóis se lançaram aos Oceanos Pacífico, Índico e Atlântico com o objetivo de descobrir nova rota marítima para as Índias e encontrar novas terras. O primeiro objetivo visava quebrar a hegemonia dos italianos sobre as especiarias e o Mar Mediterrâneo, acesso às Índias. O segundo objetivo seria a conquista de novas terras, para obtenção de matérias-primas, metais preciosos e produtos não encontrados na Europa e, para a Igreja Católica, obtenção de novos fiéis. Para os reis, o aumento do comércio significaria aumento na arrecadação de impostos, mais renda e, conseqüentemente, maior poder. Com a nossa experiência em navegações, inicialmente na pesca, o desenvolvimento da ciência náutica e construção de navios, associado aos investimentos de capital da nossa burguesia e nobreza, muito interessadas nos lucros que as navegações poderiam gerar, era natural que assumíssemos o pioneirismo nas navegações do nosso século.

−Outra qualidade desta expedição é o fato de desmistificar alguns dos medos que tem acompanhado a navegação por mares desconhecido, principalmente o “Tenebroso”. Apesar do acidente com um de nossos navios, a viagem transcorreu, até o momento, sem grandes sobressaltos, conforme relato do correspondente. Não se teve notícias de monstros ou outros acontecimentos que a mitologia ou a ignorância popular prediziam.

−Quatro meses após sua partida da Terra de Santa Cruz, nosso correspondente na Índia informa a chegada da expedição na ilha de Calecute. Seguiremos, sem interrupções, com a descrição das suas observações.

“A armada portuguesa chegou a Calecute, movimentado porto comercial da costa do Malabar, localizado no sudoeste, região peninsular do Sul da Ásia em 13 de setembro de 1500, após algumas escalas no litoral leste africano. Foi possível observar na chegada que faltavam algumas embarcações. Questionando a tripulação, descobrimos que quatro navios foram perdidos ao cruzar o cabo da Boa Esperança, perto do extremo sul do continente africano, que permite a ligação entre o oceano Atlântico e o Oceano Índico. Ironicamente, o comandante de um dos navios era Bartolomeu Dias, navegador que o descobrira em 1488. Acompanhamos a assinatura de acordo comercial entre Portugal e um potentado. Instalou-se a feitoria portuguesa para o comércio de especiarias”.

“Urgente! Informamos em edição extraordinária que nossa feitoria em Calecute foi, em 16 de dezembro, atacada pelos muçulmanos, perecendo cerca de trinta portugueses, entre os quais o recém nomeado escrivão da feitoria, Pero Vaz de Caminha. Na batalha, Sancho assumiu o comando da esquadra e protegeu Cabral dos ataques. Com o bombardeio de Calecute e aprisionamento das embarcações árabes, Pedro Álvares Cabral resolve seguir para Cochim e Cananor, onde carregou as naus com especiarias e produtos locais".

"De regresso a Portugal nova escala, agora em Sofala, por sugestão de Sancho de Tovar. O seu navio, carregado de especiarias encalhou junto à ilha, sendo incendiado e posto a pique por ordem do comandante Cabral".

−Finalmente chegou o grande dia. Partiram no já distante 9 de março mil e quinhentos bravos filhos de Portugal e agregados, em treze das mais modernas naus jamais construídas, carregando em seus depósitos tesouros, em seus corações esperanças de conquistas de um novo mundo, seus canhões carregados da munição da coragem e braveza dos seus soldados, seus navegadores com a certeza do rumo a seguir, seus escrivães prontos para relatar uma nova página na história da humanidade.

Retornam mais de um ano depois quatro embarcações desgastadas pelas tormentas, pelas batalhas e pelos recifes, menos da metade de sua tripulação, cansados, doentes, feridos, estropiados em sua carne e alma, deixando para trás, na imensidão do mar bravio amigos, parentes, colegas. Quantos de nossos heróis sucumbiram nas batalhas e nas tempestades, um Bartolomeu Dias, célebre navegador que consegui dobrar o cabo das Tormentas; um Vasco de Ataíde, desaparecido misteriosamente; e que dizer de Pero Vaz de Caminha, cuja pena sucumbiu aos ataques dos bárbaros em território indiano, e cujo maior legado, a carta enviada ao nosso rei, é por este surrupiada de nossas vistas. E o que dizer dos heróis anônimos, as verdadeiras buchas de canhão, que pegaram em remos nas calmarias, que transportaram riquezas que nunca poderiam ser suas, que obedeceram sem questionar ordens superiores que os levariam a derrocada e morte, e que ainda agora causam o pranto de viúvas, mães, avós, pais, amigos, filhos que nunca mais os verão pisar em solo pátrio, e sem ao menos ter uma cruz onde extravasar sua dor pela perda.

Valeu a pena! Valeu a pena? Qual balanço nos apresentarão nossos fidalgos, burgueses e a realeza. O que conquistamos? Uma terra sei lá aonde com sei lá o que! Uma feitoria que não se sustentou por mais de três meses! Algumas especiarias e tesouros que não equilibram a balança das perdas humanas e materiais que tivemos! Nossos governantes precisam nos explicar e nos convencer que aventuras insensatas, delirantes e irresponsáveis como essa são realmente necessárias para o progresso e a ordem da nação portuguesa. O que faremos com esta terra “descoberta”? Quando ainda despenderemos das reservas do tesouro real, da burguesia e do nosso povo para colonizar esta “Vera Cruz”? Quantos impostos, cargos e empregos serão criados com a desculpa de ocupar este território?

Povo de Portugal, podeis ficar tranqüilos pois estaremos vigilantes na defesa do vosso interesse, e nossa pena não se calará a não ser pela força bruta dos déspotas do obscurantismo. Podeis contar conosco.

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