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terça-feira, 21 de agosto de 2012

O Palhaço em cada um de nós




O PALHAÇO EM CADA UM DE NÓS

“Eles se encontram no cais do porto pelas calçadas
Fazem biscates pelos mercados, pelas esquinas,
Carregam lixo, vendem revistas, juntam baganas
E são pingentes das avenidas da capital
Eles se escondem pelos botecos entre cortiços
E pra esquecerem contam bravatas, velhas histórias
E então são tragos, muitos estragos, por toda a noite
Olhos abertos, o longe é perto, o que vale é o sonho
Sopram ventos desgarrados, carregados de saudade
Viram copos viram mundos, mas o que foi nunca mais será
Cevavam mate,sorriso franco, palheiro aceso
Viraram brasas, contavam causos, polindo esporas,
Geada fria, café bem quente, muito alvoroço,
Arreios firmes e nos pescoços lenços vermelhos
Jogo do osso, cana de espera e o pão de forno
O milho assado, a carne gorda, a cancha reta
Faziam planos e nem sabiam que eram felizes
Olhos abertos, o longe é perto, o que vale é o sonho
Sopram ventos desgarrados, carregados de saudade
Viram copos viram mundos, mas o que foi nunca mais será”

A canção de Mário Barbará ainda ecoa em seus ouvidos entorpecidos pelo ruído da cidade grande, buzinas, gritos, sirenes, máquinas e pessoas no caos urbano. Bem diferente da sua terra natal, um rincão sem nome no interior do estado.
Sua aproximação afasta os cidadãos respeitáveis em suas roupas aquecidas e confortáveis. Suas vestes, um caleidoscópio de cores, tamanhos e texturas. Um pé de tênis de marca e um sapato com um grande furo na ponta, estrategicamente fechado com um jornal antigo. Ambos de numeração bem maior que seus calejados e empestelados pés. Suas calças folgadas, rotas e encardidas denotam a precária situação em que se encontra. Em função da numeração avantajada se comparada com a ausência de barriga, passa o tempo em uma luta inglória para manter suas intimidades protegidas. Sobre o esquálido e alquebrado tronco, um guarda-roupa completo de trapos sujos que foram em alguma época camisas, blusões, camisetas e casacos, e que absorveram toda a gordura e odores que ele produziu ao longo de meses. Sob a cabeça repleta de piolhos e carrapatos, um chapéu que parece ter sobrevido à Guerra dos Farrapos. Nas costas, todo o seu patrimônio resumido em um grande saco de aniagem.
Ainda sob o efeito das cervejas consumidas com o lucro do recolhimento de objetos que os abastados cidadãos desprezam, tropeça pelas calçadas em zigue-zague, desviando dos obstáculos com o pouco de equilíbrio que resta. Apesar do esforço, não consegue evitar uma lixeira na calçada e tropeça, batendo com o rosto no chão duro e frio. A dor é aliviada pelo efeito do álcool, e sem a ajuda de nenhum transeunte, lenta e sofridamente consegue erguer-se, apoiando-se no algoz de sua queda, a lixeira. Tenta recompor-se como possível, reorganiza o conteúdo de seu patrimônio novamente no saco de aniagem e prossegue sua marcha.
Para em frente a uma vitrine de uma movimentada loja e observa a sua figura. Roupas coloridas e folgadas, chapéu esquisito, nariz vermelho em função da queda recente, restos de espuma de cerveja na boca, sapatos enormes...
À sua esquerda um cartaz anuncia uma nova atração circense internacional na cidade, e o pagliaccio (omino di paglia, ou homem de palha), personagem de cabelos brancos e barbicha, cartola com listras vermelhas e brancas, estrelas brancas em um fundo azul, calças vermelhas e azuis listradas aponta o dedo em riste para ele e diz: “I want You”.

A origem do palhaço atravessa a história da humanidade, provavelmente tendo iniciado com os povos nômades (ciganos) a milhares de anos. Na China, pinturas de 5000 anos mostram figuras como acrobatas de roupa excêntrica.
Nas cortes dos imperadores chineses os palhaços adquiriram importante papel, podendo influenciar as decisões do Imperador, e por mais de mil anos, em várias partes do Oriente (Malásia, Burma, Sudeste da Ásia, entre outros), os palhaços apareciam em teatros, represntações religiosas, conhecidos como “Lubyet” (homens frívolos), e atuavam como desastrosos assistentes dos personagens principais. Na Malásia, os palhaços chamavam-se “P’rang”, e usavam máscaras de bochechas e sobrancelhas enormes e horríveis, cores carregadas e um enorme turbante, criando uma figura pavorosa.

No Egito, por volta de 2500 antes de Cristo, na dinastia do faraó Dadkeri-Assi a figura do bobo da corte já divertia os nobres, tendo um palhaço pigmeu atuado na corte.

A história do palhaço na antiga Grécia remonta a mais de 2000 anos, e eles faziam parte das comédias teatrais, apresentando uma versão própria das tragédias sérias, onde os heróis apareciam como idiota. Um dos principais alvos foi Hércules, cujas façanhas apareciam como obra do acaso.

Em Roma existiam várias classes de palhaços: “Cicirro”, que usava uma máscara de cabeça de galo e cacarejava movendo os braços como asas, o “Estúpido”, com gorro pontiagudo e roupa de retalhos. Os outros atores batiam nos dois palhaços e causando ainda mais riso no público.

Quando Cortez conquistou a nação azteca em 1520, descobriu que a corte de Montezuma incluía bobos similares aos da Europa. Bobos Aztecas, palhaços anões e bufões corcundas estiveram entre os tesouros que Cortez levou para o papa Clemente VII.

No início da idade Média, com o fechamento dos teatros, os artistas perambulavam por toda a parte, participando de feiras em várias regiões. Na Alemanha e Escandinava eram conhecidos como “gleemen” e na França como “jongleurs” (malabaristas). Contavam contos, cantavam baladas, eram músicos, malabaristas, mímicos, acrobatas, equilibristas. O palhaço levava uma bola atada em um barbante e batia nos espectadores para abrir espaço para atuação dos artistas.  
Também levavam uma vassoura para varrer o público, gritando: “Espaço! Espaço!Preciso de espaço para recitar minhas trovas!”
Nesta época surgiu a figura do bufão ou “bobo da corte”, a maior parte formada por palhaços inteligentes que se faziam de estúpidos para alegrar as pessoas. Na Alemanha, eram chamados de “alegres conselheiros”, pois em suas observações sempre incluíam boas recomendações.
Com a reabertura dos teatros, os palhaços atuavam em comédias religiosas, representando o diabo e os vícios, a estupidez e o mal. Em muitas peças, o palhaço era o narrador que mantinha a plateia atenta, explicando a história. Com a demonstração nas obras de Shakespeare de que o palhaço podia também fazer chorar e emocionar, tornando ainda mais dramáticas cenas trágicas de uma obra, nivelou a figura do palhaço em importância aos atores sérios dos grandes clássicos do teatro.

No século XVI, surge na Itália a “Comédia de Arte”, com companhias e personagens que se tornaram muito populares, como o Arlequim, com sua roupa de retalhos; o Pantaleão, veneziano e de vermelho; Briguela, de branco e verde; Polichinelo, de branco e gorro pontiagudo; o Doutor de negro e o Capitão com sotaque espanhol e roupas militares.
Da Itália a Commedia Dell’Arte estendeu-se por toda a Europa, adaptando-se em países como a Inglaterra, onde Pulcinella se tornou Mister Punch, ou o Pierrot, transformado em palhaço, sendo Grimaldi, nascido em 1778 o mais famoso.

Muitas tribos nativas americanas tinham algum tipo de personagem palhaço, que exerciam um importante papel na vida social e religiosa da tribo e em alguns casos se acreditava serem capazes de curar algumas doenças.

O circo como o conhecemos hoje parece ter surgido em 1766, criação de um jovem sargento chamado Philip Astley, com atrações equestres e, posteriormente, com atrações mambembes e divertidas para completar as exibições de equitação. O palhaço mais importante da época foi “Mr. Merryman”, que atuava em um cavalo. Outros surgiram como o palhaço “branco” ou “clown”, ricamente vestido com lantejoulas e gorro pontiagudo, face branca e pouca maquiagem; o palhaço “augusto”, tonto, desajeitado e extravagante; o palhaço “Toni” e o palhaço “excêntrico”, arquétipos de palhaços que colaboravam com suas “entradas de palhaços”, “reprises de palhaços” ou com pequenos espetáculos de cunho teatral, pantomimas de clássicos da dramaturgia para a magia e alegria do mundo circence. 

Possuidores de um humor mais sutil, movimentos livres e ao mesmo tempo suaves e delicados baseados na pantomima, com vestimentas mais comuns e pequenos detalhes extravagantes, os “clowns diferenciam-se dos palhaços tradicionais no estilo e nas roupas, apesar de beberem da mesma fonte inspiradora e compartilharem os mesmos objetivos. O humor do palhaço é mais circence e brincalhão, mais divertido e brincalhão, esbanjam alegria e são desastrados, com roupas largas ou apertadas que acentuam sua graça. Os “clowns” convivem conosco em nosso cotidiano, os encontramos na rua, no ônibus, na família e nos amigos, no meio artístico. Charles Chaplin é “clown”, os Três Patetas, palhaços.

Reeesssssssssspeitável público! Vai iniciar mais um espetáculo na República dos Bananas!
Como tem se repetido ao longo de nossa história republicana, este será mais um ano em que “democraticamente” seremos obrigados a escolher quem não queremos para prometer fazer o que certamente não farão ao longo dos próximos anos. Sentados nas arquibancadas, sob a lona do circo, contemplamos o esforço dos palhaços e clowns para nos fazerem rir de suas piadas e promessas, procurando nos convencer que a pantomima que criaram é seria e verdadeira, apesar da
Pinta de palhaço
Roupa de palhaço
Foi este o meu amargo fim;
Cara de gaiato,
Pinta de gaiato,
Roupa de gaiato,
Foi o que eu arranjei pra mim.
Estavas roxa por um trouxa
Pra fazer cartaz,
Na tua lista de golpista
Tem um bobo a mais
Quando a chanchada deu em nada 
Eu até gostei
E a fantasia foi aquela que esperei.
Cara de palhaço
Pinta de palhaço
Roupa de palhaço
Pela mulher que não me quer,
Mas se ela quiser voltar pra mim
Vai ser assim,
Cara de palhaço,
Pinta de palhaço
Roupa de palhaço
Até o fim!!!
O grande Miltinho tinha razão, e o sentimento mais amargo ao final de mais uma representação “cívica” é o de que temos a sensação de que na verdade os palhaços e clowns somos nós, uma grande inversão palco/plateia, onde nos tornamos seus marionetes, manipulados em nossas ilusões e esperanças, e passivamente sentados em nossas confortáveis poltronas, com direito a ar-condicionado, pipoca e algodão doce.

Não devemos restringir o espetáculo à política, pois ao longo da nossa história os formadores de opinião sempre souberam criar grandes tramas e dramas, verdadeiras obras primas de manipulação das massas, manipulando nossos sentimentos patrióticos, jogando com nossas emoções e pureza, utilizando nossa ingenuidade e crenças contra nós mesmos, nos oferecendo algumas balinhas e pirulitos enquanto locupletam-se com nossas riquezas, criando cortinas de fumaças com caçadores de marajás, “CPIs”, cassações e prisões de fachada, colocando “bodes” e “Judas” em nossas salas para catarse e falso deleite de nossa população, que ao ver os poderosos serem “punidos”, acredita que a justiça é cega, surda e muda, o que se etimologicamente é uma verdade, também é uma falácia, pois não para todos.
Em que outro “circo” o responsável pelo espetáculo teria a possibilidade de manipular a economia, retirando, por exemplo, de todos os espectadores suas poupanças prometendo devolve-las, ou de nos convencer a nos pintarmos na cara e sairmos pela rua defendendo a democracia e a liberdade, para hoje assistirmos esta bandalheira de braços cruzados. Fomos fiscais do presidente bigodudo, brigando em gôndolas de supermercado com remarcadores insensíveis, olhamos juntos a moça sem calcinhas no palanque ao lado do outro presidente, dançamos juntos o tango dos ministros, acompanhamos o “baile de máscaras” dos partidos que ontem foram oposição e misteriosamente transmutam-se em aliados, apertos de mão e abraços efusivos de adversários eternos, nossas riquezas e nosso patrimônio manipulado e utilizado para criar novas esperanças, que retornarão em forma de esmolas em “bolsas” e obras faraônicas que por desnecessárias, são inócuas. O nosso sofrido povo gosta de circo, mas precisa de pão, não em migalhas homeopaticamente distribuídas, mas na mesma profusão e quantidade em que se encontram na mesa dos poderosos que os manipulam, transformar os brasileiros em verdadeiros e legítimos administradores do espetáculo, para criar seus próprios números e esquetes, podendo escolher quem vai participar do show, para errar e acertar com seus própios pés e mãos, sua capacidade e inteligência, sem “paitrocínios” ou demagogos manipuladores, rostinhos bonitos de fala mansa e linguajar rebuscado, ou pseudo clones do povo humilde e carente, que se transmutam para conquistar teu voto.

Democracia vem da palavra grega “demos” que significa povo. Nas democracias, é o povo quem detém o poder soberano sobre o poder legislativo e o executivo.

Originalmente esta cronica concluía com a definição de Democracia acima, que se comparada com a história de palhaços descrita por mim ao longo da cronica, permite-nos muitas reflexões e conclusões interessantes.
Com o acidente de percurso ocorrido comigo recentemente (Diagnóstico de Paralisia de Bell), vi-me obrigado a modificar meus hábitos e forma de viver minha vida, pois sempre fui loquaz e defendi minhas opiniões com argumentos fortes e muitas frases. Pela dificuldade ocorrida na fala e na movimentação dos lábios, preciso me esforçar para que meus interlocutores prestem atenção no conteúdo do que estou dizendo e menos nos trejeitos que produzo ao falar. Com a previsão do neurologista de que em torno de 30 dias terei recuperado grande parte das minhas funções, vou utilizar este tempo de espera para rir de mim mesmo, como bom palhaço que gostaria de ser.

2 comentários:

R. Carvalho disse...

Gostei dessa postagem...palhaços é o que somos em determinados momentos da vida...

Unknown disse...

Esta postagem fecha bem com as que venho postando no Blogue do Zeca. Devemos, entretanto nunca esquecer que nós os colocamos lá.

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